O Projeto

Os caranguejos Grapsus grapsus (Linnaeus, 1758) e Johngarthia lagostoma (H. Milne Edwards, 1837) são muito abundantes nas ilhas oceânicas brasileiras, onde desempenham importante papel ecológico, integrando o ambiente emerso ao ambiente aquático. O caranguejo aratu G. grapsus vem sendo estudado nas ilhas oceânicas brasileiras a partir de meados de 2003, especialmente no Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP). Recentemente, alguns estudos também foram iniciados sobre o caranguejo terrestre J. lagostoma, no Atol das Rocas, Fernando de Noronha e na Ilha da Trindade, em relação a biologia molecular. Assim, o presente projeto visa continuar o monitoramento de G. grapsus já realizado na Ilha da Trindade, dentro do Monitoramento de longa duração das comunidades recifais das ilhas oceânicas brasileiras (PELD nº 34/2012 – ILOC), bem como iniciar as pesquisas ecológicas com J. lagostoma na Ilha da Trindade.

O caranguejo terrestre J. lagostoma consta como ameaçado de extinção desde 2003 (MMA, 2003) e do Anexo I, situação mantida na avaliação mais recente, realizada em 2010, publicada em dezembro de 2014. Segundo esta última avaliação, trata-se de uma espécie endêmica de ilhas oceânicas do Atlântico Sul, que sofre ameaça pela introdução de espécies domésticas em algumas ilhas oceânicas (p. ex., Fernando de Noronha e Trindade), as quais interferem diretamente nas populações do caranguejo, por predação, bem como pela crescente urbanização. Assim, considerando que tais ilhas oceânicas totalizam área inferior a 5.000 km2, com menos de cinco localidades de ocorrência desse caranguejo terrestre, além da crescente ameaça por espécies invasoras e redução da área de ocupação e qualidade do habitat, possibilitaram sua categorização como “Em perigo (EN)”. A determinação de parâmetros básicos da biologia, como maturidade sexual e crescimento, é uma das informações mais importantes para programas de manejo de espécies de interesse pesqueiro ou ameaçadas de extinção.

A proposta pretende gerar informações para responder perguntas frequentes entre os pesquisadores e militares do POIT (Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade) como:

  1. Os caranguejos estão aumentando ou diminuindo na ilha?;
  2. Diante da abundância do caranguejo na Ilha da Trindade, a restrição à captura pode ser revista para esse local?;
  3. Qual a interação dos caranguejos com os resíduos produzidos na ilha?; e
  4. O caranguejo controla ou é prejudicado pela vegetação invasora?
 

O estudo de distribuição espacial, parâmetros reprodutivos, crescimento e ecologia larval será direcionado a responder essas perguntas, podendo esclarecer:

      a) as diferenças de tamanho nos vários locais da ilha;
      b) a relação entre coloração da carapaça e maturidade sexual;
      c) a longevidade;
      d) a época de produção de larvas;
      e) os locais preferenciais para desova; e
      f) o recrutamento de juvenis.

Não sabemos a relação entre as populações ao longo da parte baixa da ilha, dos morros e locais mais afastados do POIT e em quanto tempo a população se recuperaria após eventuais falhas no recrutamento, incidência de doenças ou impacto ambiental.

Alguns estudos têm possibilitado verificar o efeito climático sobre populações de crustáceos marinhos. Como exemplo, a análise de uma serie temporal (65 anos) de desembarques do caranguejo verde (Carcinus aestuarii) tornou evidente uma relação negativa entre o desembarque e o estresse térmico (Bartolini et al., 2012). Segundo estes autores, os intervalos de tempo entre a séries de dados corresponderam ao impacto nas fases larvais, concluindo que a anomalia climática estava sendo transmitida ao nível populacional, sendo comparável ao efeito na biomassa dos desovantes. Além disso, as mudanças climáticas interagem sinergicamente aos impactos humanos, como sobre exploração e perda de habitats. Devido ao grande isolamento, a Ilha da Trindade pode ainda ser caracterizada como comunidades bem conservadas. Assim, a continuação do monitoramento das populações adultas e larvas de G. grapsus na Ilha da Trindade, e o início do monitoramento de J. lagostoma na Ilha da Trindade irá aumentar a compreensão do ecossistema insular diante do aumento de temperatura dos oceanos.

A proposta integra as áreas de zoologia, oceanografia biológica, genética marinha, atendendo a uma demanda local de estudo de duas espécies, umas delas que já vem sendo monitorada em ilhas oceânicas (Grapsus grapsus) e outra muito visada e observada pela população temporária de militares e pesquisadores (Johhngarthia lagostoma). A proposta irá fornecer, ainda, informações a serem usadas na área de gestão de recursos pesqueiros e espécies ameaçadas de extinção, pretendendo integrar informações colhidas pelos frequentadores da ilha àquelas oriundas da pesquisa científica, com divulgação dos resultados científicos à sociedade.  

As Espécies e o Desafio

Grapsus grapsus (Linnaeus, 1758) é um caranguejo muito abundante no supra litoral de todas as ilhas oceânicas brasileiras, fazendo a ligação entre o ambiente emerso e as águas rasas adjacentes, predando filhotes recém-eclodidos de aves marinhas e tartarugas, raspando permanentemente as algas epilíticas e a fauna associada, e enriquecendo constantemente as águas rasas com suas pelotas fecais. No Atlântico Sul Ocidental, G. grapsus ocorre somente nas ilhas oceânicas brasileiras e, uma vez que recruta na parte emersa dos costões rochosos, utiliza apenas correntes marinhas superficiais para sua dispersão, não usando os montes submersos como trampolins ecológicos. A reprodução anual contínua de G. grapsus introduz um grande aporte larval ao habitat recifal submerso. A maturidade sexual, fecundidade, taxas de crescimento e aspectos gerais de G. grapsus já foram descritos para o Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP). Análises das populações das ilhas oceânicas também já mostraram similaridade morfométrica entre as populações do ASPSP e Ilha da Trindade (TR) e entre as populações do Atol das Rocas (AR) e Fernando de Noronha (FN), enquanto as análises moleculares indicam a ocorrência de haplótipos exclusivos e menor diversidade nucleotídica em TR. 

G. Grapsus by Vanessa Martins

Portanto, Trindade é um local importante para a manutenção de G. grapsus, pois detém um estoque genético com haplótipos diferenciados, o que é essencial para a manutenção da diversidade genética da espécie. Novas sequências de G. grapsus foram obtidas em 2015, visando o aprimoramento desses resultados. Além disso, outros resultados recentes do Programa Ecológico de Longa Duração em Ilhas Oceânicas mostram uma menor densidade de G. grapsus nos costões rochosos na Ilha da Trindade quando comparada à das demais ilhas oceânicas brasileiras, assim como um aumento da taxa de mutilação entre 2012 e 2015.  A reprodução anual de G. grapsus é contínua no Arquipélago de São Pedro e São Paulo, enquanto suas larvas iniciais ficam praticamente restritas a 500 m de distância dessas ilhas. Já na Ilha da Trindade, foram encontradas pouquíssimas larvas de G. grapsus nas amostragens realizadas a 100 m da costa em 2014. O projeto possibilitará a continuação do monitoramento sistematizado e em longo prazo da população adulta e larval na Ilha da Trindade.

Marcio João
J. lagostoma by Marcio João

Johngarthia lagostoma (H. Milne Edwards, 1837) é um caranguejo endêmico de algumas ilhas oceânicas do Atlântico Sul, como o Atol das Rocas, Fernando de Noronha, Ilha da Trindade e Ilha de Ascenção. Possui um curioso comportamento migratório noturno em direção às praias e costões rochosos, evidenciando seu relevante papel entre o ambiente terrestre e o supra litoral marinho. Na Ilha de Ascenção, alguns aspectos da biologia geral desta espécie foram descritos por Richard Hartnoll, assim como sobre a estrutura populacional e reprodução. Foi constatado que os caranguejos machos predominaram em áreas elevadas, existindo relação entre a coloração da carapaça ao sexo e tamanho. A reprodução ocorre em cinco meses do ano (janeiro a maio), com uma intensa migração dos adultos às praias durante a lua cheia e nova, dos quais 80 % são fêmeas, repercutindo em uma taxa de fecundidade de 72.000 ovos/fêmea. Desde o final do século 19 foram constatados declínio e envelhecimento populacional desta espécie, além do recrutamento juvenil ter se tornado mais raro. 

Existem, também, registros da predação de caranguejos juvenis por ratos, sendo desconhecido o efeito por estresse térmico durante a época de desova ou causado por alteração da vegetação. Importante lembrar que os caranguejos terrestres são espécies chaves em ambientes insulares, ocupando guildas preenchidas por vertebrados nos continentes, onde predam ninhos de aves, invertebrados, plantas, afetam a dispersão de sementes, controlam a decomposição do folhiço e são importantes na ciclagem de nutrientes. Alguns autores atribuem a ausência de caranguejos terrestres no Havaí à intensificação da colonização humana, quando foram reduzidos seus ambientes naturais e sua qualidade pelas atividades antrópicas e biota introduzida. A legislação local na Ilha da Ascenção também proíbe a captura do caranguejo como forma de assegurar sua conservação, por serem as ilhas o único reduto de sua existência.

Apesar disso, o conhecimento de J. lagostoma nas ilhas brasileiras ainda é incipiente quando comparado aos estudos e esforços anteriormente citados para G. grapsus. Não existem trabalhos publicados sobre J. lagostoma, apesar do conhecimento decorrente de alguns trabalhos acadêmico-científicos, como o mestrado desenvolvido no Atol das Rocas por Teixeira (1996), que constatou sua reprodução sazonal (dezembro a maio) e uma alimentação onívora e noturna, composta pela predação de ovos de tartaruga e aves marinhas, insetos, escorpião e do rato Mus musculus. No Atol das Rocas, esse caranguejo terrestre foi observado sobre o recife à noite, durante a maré baixa, predando lagostas da espécie Panulirus echinatus (Andrea Freire, com. pessoal). Como já mencionado, J. lagostoma consta na legislação em vigor como espécie ameaçada de extinção, estando proibida sua captura, pesca e comércio. Apesar disso, sabe-se que esta espécie tem sido intensamente capturada na Ilha da Ascenção, como também em Fernando de Noronha (FN).

Ainda não existem estudos publicados sobre a conectividade ecológica entre as populações do Atol das Rocas e de Fernando de Noronha, assim como sobre a viabilidade da população do Atol das Rocas promover a recuperação da população de Fernando de Noronha. No entanto, sabe-se que resultados sobre a conectividade ecológica e genética entre as ilhas oceânicas brasileiras e o seu desenvolvimento larval tem sido estudada por pesquisadores da UFPE. Recentemente, o estudo da estrutura e diversidade genética indicou que a população da Ilha da Trindade apresenta uma história evolutiva única, assim como a Ilha da Ascenção e o conjunto Atol das Rocas / Fernando de Noronha. Como dito anteriormente, J. lagostoma tem restrição para sua captura e uso pesqueiro devido a sua categoria de ameaça, apesar da grande interação desta espécie com as pessoas que habitam temporariamente a Ilha da Trindade. Para que ocorra uma liberação da captura e estabelecimento de um manejo pesqueiro eficaz, seriam necessárias mais informações disponíveis sobre sua biologia populacional e reprodutiva, lembrando que a cada cinco anos uma nova avaliação do estado de conservação das espécies nativas é efetuada.

No caso de populações isoladas genética ou ecologicamente, como parece acontecer na Ilha da Trindade e as ilhas equatoriais, os parâmetros populacionais podem ser muito diferentes. Assim, as informações sobre crescimento, maturidade sexual, reprodução e ecologia larval do caranguejo podem e devem ser imediatamente incorporadas à gestão ambiental da Ilha da Trindade. Assim, pretende-se uma comparação dos parâmetros populacionais das ilhas brasileiras, e de Ascenção, que será incorporada à discussão sobre a biogeografia dessa espécie.

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